quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Chola

 
Chola

Que cores mais escuras escondem suas vestes coloridas?
Que dores você guarda em seus enigmáticos olhos negros?
Que frases se perdem em seus silêncios?
Que partes de sua infância carrega em sua sacola colorida?
Quantas vontades de correr pisaram suas sandálias frágeis?
Que gritos não saem com seu choro estridente?
Quantos quilos em seus ombros não são seus?
O que mais você me pede quando me pede um “pesito”?
Fome de quê?
Sede de quê?

Perguntas-navalhas
espalham-se pela praça de Sucre
enquanto você espera sua vez com todos seus filhos
com suas comadres, hermanas e compañeras
na fila de doação de brinquedos
pão, leite e coca-cola no Natal
cortam corações
cortam pulsos
e abrem mais canais de ligação
com esse oceano de sangue
nada pacífico
que escorre das veias abertas da América Latina

(Lucas Bronzatto)


Foto inicial: Hugo Henrique da Silva

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Há exatos dois meses depois de o mundo não ter acabado


Há exatos dois meses depois de o mundo não ter acabado
Ainda ecoa em voz baixa o grito suicida de Carlos Alexandre
criança torturada pela ditadura que terminou de morrer aos 37 anos

Torcedores comemoram a morte de um menino boliviano
atingido por fogos de artifício em um estádio de futebol
cada vez que usam-no como arma na briga de torcidas
A declaração do técnico
que trocaria o título mais importante do time pela vida do menino
é chocante pra alguns

Passa pelo Brasil a turnê mundial de Yoani Sanchez
a blogueira que recebe financiamento internacional
pra falar da suposta ausência de direitos humanos em Cuba
O Estado de São Paulo noticia com orgulho a vinda de sua colunista
anticomunista que teve o blog traduzido para 18 idiomas
número jamais alcançado por nenhuma outra página da rede
Agente ianque,
reagente que fez precipitar ignorância e conservadorismo
por onde passou

Diz que aqui pode aprender sobre liberdade de expressão

Os professores que a receberam de braços abertos
de ternos azuis e aplausos de pé lhe causaram admiração
São ferrenhos defensores dos direitos humanos
da democracia
e da ditadura que torturou quando criança Carlos Alexandre
que terminou de morrer aos 37 anos
e cujo obituário não foi traduzido
nem teve tanto destaque no Estado de São Paulo

E Julian Assange continua procurado pela Interpol

-- 

Devido a estes últimos acontecimentos, furei a fila dos textos da viagem..

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Fronteiras / Fronteras

Como comentei na última postagem, estive viajando nas últimas semanas, por alguns países da América Latina. Com o caderno e caneta na mochila, fui escrevendo sobre as coisas que feito faca, cortavam um pouco a carne. Aos poucos vou colocando aqui, com uma novidade, colocando também os poemas em espanhol, já que foram escritos em países que falam este idioma. 
Este primeiro poema escrevi logo após passar a fronteira entre o Brasil e a Bolívia, aí vai:

Fronteiras

Traços
que distinguem
diferentes traços de rosto
desenhos em moedas
nomes para as coisas
jeitos de tocar o violão
cores de bandeiras

Linhas
nada mais que linhas
que separam semelhanças
semeiam intolerâncias
apagam parentescos
e nos forçam a crer que cultura cabe
em quadrados desfigurados

Tudo que não passa
pelos muros imaginários
surpreende
confunde e intriga
nos deixa distintos
distantes

Mas tudo que atravessa
surpreende mais
se funde e se integra
nos deixa parecidos
o bastante
para perguntar:

Com que borracha apagamos esses rabiscos
feitos por crianças mimadas?
-- 
(en español)

Sigue el primer poema que escribi en un viaje por los países andinos que hice en las últimas semanas. En el viaje, con cuaderno y bolígrafo en mano, escribia sobre las cosas que, hecho cuchillo, me cortaban un poco la carne (como dice la canción brasileña que originó en nombre de mi blog - à palo seco). Poco a poco voy a publicar lo que escribi aqui, traduciendo al español cuando posible, pues estos poemas y cuentos han sido hechos en países donde se habla este idioma y donde hice buenos amigos. Este es el poema, hecho después que pasé por la frontera entre Brasil y Bolívia. 


Fronteras 

Trazos
que distinguen
diferentes rasgos faciales
dibujos en monedas
nombres para las cosas
maneras de tocar la guitarra
colores de banderas

Líneas
nada más que líneas
que separan semejanzas
siembran intolerancias
borran parentescos
y nos fuerzan a creer que culturas caben
en cuadrados desfigurados

Todo lo que no pasa por los muros imaginarios
sorprende
confunde e intriga
nos hace sentir distintos
distantes

Pero todo lo que atraviesa
sorprende todavía más
se funde y se integra
nos hace sentir tan prójimos
que vienen ganas de preguntar:

con que goma se puede borrar estos garabatos
hechos por niños mimados?

--


Foto desta fronteira, que achei no flickr, tirada por Arthur Zapparoli (http://www.flickr.com/photos/arthurgeek/4140551340/) . Tinha uma na minha câmera, mas perdi a câmera e o cartão junto!