sábado, 28 de setembro de 2013

Quando os pacientes perderem a paciência

Quando os pacientes perderem a paciência*

Ninguém mais vai morrer na porta dos hospitais
Nenhum desrespeito será tolerado
Não existirão mais farmácias privadas
nem planos nem seguros
pois será proibido pagar por saúde
quando os pacientes perderem a paciência

O lucro não vai mais definir doenças
e ninguém mais vai engolir junto com os comprimidos
as péssimas condições de vida e trabalho
porque não haverá mais opressores e oprimidos
quando os pacientes perderem a paciência

Não existirão propagandas de remédios nem de alimentos
Será tamanha a clareza do cidadão sobre seu corpo
que a palavra prescrição será abolida do dicionário
Todo e qualquer tratamento será decidido em conjunto
quando os pacientes perderem a paciência

Muitos intelectuais ficarão sem chão
ao verem que o problema central não era de administração
que as grandes soluções não eram humanização, formação,
avaliação, regulação, negociação
Ficará claro que o melhor dispositivo de gestão é a revolução
quando os pacientes perderem a paciência

Todo contrato de trabalho será digno
Fundações, O.S., EBSERH, serão apenas letras
e palavras indecifráveis de papéis amarelados
no museu de nosso passado precário
quando os pacientes perderem a paciência

Não haverá mais abismos nem hierarquias
nem gritos nem silêncios nem prisões nem indiferenças
Os pacientes é que serão os deuses
quando perderem a paciência

Quando os pacientes perderem a paciência
numa reunião qualquer do centro comunitário do bairro
serão decididos os rumos da ciência

(Lucas Bronzatto)

*versão do belíssimo poema de Mauro Iasi “Quando os Trabalhadores Perderem a Paciência”

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Playa

Playa

Um argentino com um violão imita Joaquin Sabina
Chilenos fazem malabares
Uma vaca passa e vira atração turística
Um menino boliviano passa
oferecendo água quente para mate
e volta equilibrando quatro garrafas térmicas
uma de cada cor
Batem ondas de água doce
Um estadunidense passa tomando Inka Cola
Tomo mate de erva argentina com bomba brasileira
cuia peruana e garrafa térmica boliviana
querendo tocar uma canção cubana em algum violão
Um grupo de argentinos sentados numa canga baiana
queima um palo santo andino
Um casal de franceses passa vestindo roupas peruanas
tecidas à mão e comem salchipapas
A areia suja os chinelos
Um brasileiro toca um samba antigo num charango boliviano
Uma colombiana lê um livro uruguaio sobre a América Latina
e se indigna a cada página ensanguentada que vira
As nuvens estão tão perto que fazem sombra nas montanhas
Cholas passam levando mercadorias para seus comércios
As vendas vendem vinho chileno, fernet e cerveja boliviana
Quando o sol se vai todos vestem suas blusas de frio
e voltam às barracas

Fronteira é uma palavra
de algum idioma que não se fala aqui
numa praia na Bolívia
que não tem saída para o mar

(Lucas Bronzatto)


Isla del Sol, Bolivia


Isla del Sol, Bolivia

Isla del Sol, Bolivia