domingo, 16 de setembro de 2012

Murais de concreto


Um poema que tem como epígrafe uma tirinha! Do livro Macanudo, do genial Liniers.. Clique na imagem antes de ler o poema..

Murais de concreto
(Lucas Bronzatto)

(Macanudo por Liniers)

Alberto não sabe ao certo a data de aniversário
dos amigos que fez nos últimos anos
Sem lembretes virtuais não liga
nem manda sua mensagem pré-fabricada
com discreta personalização

Juliana não cumprimenta todos seus amigos virtuais
quando encontra no mundo real

Ana sempre tira foto onde quer que chega
Faz check-in e publica logo de cara
o que o olho viu apenas de relance
fica tão preocupada se os outros vão curtir
que não curte

Carlos acha mais fácil saber dos amigos pelas fotos
do que perguntar

Marcelo sempre posta frases reflexivas
com fotos em preto e branco
de escritores que nunca leu
Reflete por uns segundos
e depois nem lembra mais

Marília compartilha quase tudo com seus amigos
menos momentos reais

Paulo olha se tem atualizações a cada 5 minutos
Diz que quando quiser parar, ele para

Felipe fica online todo dia
mas demora dias pra responder e-mails
principalmente os que perguntam como vai

João nunca fez piquete nem passeata nem ocupação
mas compartilha muitas fotos e frases de luta
Sem sair do quarto faz história
é revolucionário de cadeira giratória

Carla vive procurando trechos de poemas e músicas
pra declamar com os dedos
em seu solitário sarau de mural virtual

Plateia cheia no espetáculo da exposição
O cenário esconde os bastidores
tampa a porta da rua
no palco um monólogo de uma frase só:
– Status muito curtido é o que dá status
Aplausos
e o status quo imóvel na linha do tempo

“no que estou pensando agora?”
puta saudade de prender foto com tachinha

terça-feira, 11 de setembro de 2012

O outro onze de setembro

Pequena homenagem a Salvador Allende, ex-presidente Chileno suicidassassinado pelo golpe militar feito no Chile em 11 de setembro de 1973. Allende morreu segurando um fusil, seu mandato e sua " fé no Chile e em seu destino" rumo ao socialismo. O poema de Mario Benedetti diz muito sobre a força desse homem-povo e do que o império estadunidense vestindo os trajes militares chilenos precisou fazer para matar o homem da paz:


Allende
(Mario Benedetti)

Para matar o homem da paz
para golpear sua fronte limpa de pesadelos
tiveram que se converter em pesadelo
para vencer o homem da paz
tiveram que congregar todos os ódios
e também os aviões e os tanques
para derrotar o homem da paz
tiveram que bombardeá-lo fazê-lo chama
porque o homem da paz era uma fortaleza

para matar o homem da paz
tiveram que desencadear a guerra turva
para vencer o homem da paz
e calar sua voz modesta e perfurante
tiveram que empurrar o terror até o abismo
e matar mais para continuar matando
para derrotar o homem da paz
tiveram que assassiná-lo muitas vezes
porque o homem da paz era uma fortaleza

para matar o homem da paz
tiveram que imaginar que era uma tropa
uma armada uma legião uma brigada
tiveram que acreditar que era outro exército
mas o homem da paz era tão somente um povo
e tinha em suas mãos um fuzil e um mandato
e eram necessários mais tanques mais rancores
mais bombas mais aviões mais desonra
porque o homem da paz era uma fortaleza

para matar o homem da paz
para golpear sua fronte limpa de pesadelos
tiveram que se converter em pesadelo
para vencer o homem da paz
tiveram que se unir para sempre à morte
matar e matar mais para continuar matando
e condenar-se à blindada solidão
para matar o homem que era um povo
tiveram que ficar sem o povo

--

Obviamente que pouco disso aparece na mídia brasileira, mas são muitas as referências a Allende e ao golpe militar no chile na arte latinoamericana, tamanho o impacto que a brutalidade desta ação causou em nosso continente. Seguem algumas:

Pablo Milanés:
Silvio Rodriguez:
Daniel Viglietti e Mario Benedetti declamando o poema acima:

Mais recente, deste ano, este lindo video em que jovens artistas musicaram o ultimo discurso de Allende:


Cientos de miles por todo Chile e a ditadura segue:


Allende vive, viva Allende