domingo, 27 de novembro de 2011

De passagem



De passagem
(Lucas Bronzatto)

Assim que se foi daqui, camarada
pra cá eu vim
trazido pela mesma utopia que nos une

Hoje ao te rever aqui,
de passeio pela metrópole
Também me revejo

Passeio por mim

Me alegro ao ver
que daqui só te restaram as raízes
Perdeu seu tronco de casca dura
seus galhos retorcidos
suas folhas e frutos cinzas
sem flores

Me entristece descobrir
arbustos dispnéicos
crescendo como bosques urbanos
nas minhas mãos
Galhos secos
brotando do meu tronco
tão longe das minhas raízes

Tua serenidade
me leva a crer que
o caos daqui te causava dano
Perturbava essa tua paz de hoje
Que os postes, faróis,
neons e pisca-piscas
ofuscavam tua luz
E que as placas, vitrines,
grafites e manchetes
te confundiam mais do que pensava
E hoje é a mim
que causam dano
ofuscam
confundem
perturbam
essa minha paz de antes

Os arranha-céus e a poluição
são muros bem concretos
que não me deixam ver o mundo
fora da metrópole
Rodoviárias, internet e galerias
são janelas
que preservam outros horizontes
As multidões, avenidas,
o trânsito e a pressa
aumentam as distâncias
entre os de nós
que estamos aqui, camarada
E sozinhos,
como motoboys
na hora do Rush
tentamos fugir do itinerário óbvio
que leva ao estresse e à depressão
Mas até nossa fuga é solitária
O GPS aponta
a dificuldade de se encontrar
nessa imensidão
Nessa imensidão
perdi a beleza das pequenas coisas, camarada
e reencontrei em nossas conversas
o mundo sem muros
as pessoas mais próximas
os itinerários não-óbvios
sem trajetos pré-definidos

Te respeito ainda mais, camarada
Ter idéias comunistas
neste buraco-negro consumista
é valoroso
Manter vivos seus valores
nessa enchente de egoísmo
que alaga as marginais
(e até os marginais)
me motiva a pensar
- Não, não Lucas,
não deixe a metrópole te engolir
não deixe seus valores na sarjeta
Você está só de passagem
sua ida tem volta
Mas por favor,
não demore tanto assim

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